Resistência
Clébia Lúcia
Clébia Lúcia
Primeiro, uma sandália que me atrai num momento de distração dentro de um ônibus a espera do horário para voltar para casa. Acredito que ela me chamou a atenção pela sua beleza, com suas pedras coloridas: verde, vermelha, azul e laranja, que realçavam muito bem no pé da dona. Segundo, a folha seca caída no chão que atrai meu olhar e me faz refletir de como a vida é bela e perfeita, e tudo tem sua funcionalidade.
Ao observar as duas situações, senti que contemplava o belo e as boas sensações que eles proporcionavam, sem pensar muito na sua essência. Fiquei sem saber o que poderia fazer a partir daí. Talvez uma pintura em tela com elementos em alto relevo, folhas secas coladas na composição da pintura, pedras coloridas, coisas desse tipo.
Assisti o filme “Mauá, o Imperador e o Rei” no qual o personagem Mauá, um visconde, presenteava seu escravo com um par de calçados, como símbolo de liberdade da escravidão. Com esta imagem, a idéia de fazer a tela foi reforçada. A tela seria composta por imagens de fundo retratando o sertão nordestino, e por imagens de escravos sendo castigados em primeiro plano. Ou ainda um tronco colado no desenho simbolizando a escravidão. Ao redor do tronco seriam coladas miniaturas de chinelinhos de couro e de chapéu. Os chinelinhos representariam à liberdade dos escravos e sua resistência. Por outro lado, também representariam um símbolo de proteção para o povo nordestino que também vive uma escravidão imposta pelas condições de vida que levam.
Pensei em recorta a imagem do sertão nordestino em vários pedacinhos e depois colá-los em uma base aleatoriamente, preenchendo com tinta os espaços que ficariam entre os pequenos pedaços e fazer uma espécie de escultura, colocando um tronco e chinelos sobre a base pronta. Mas, não foi bem isso que saiu.
Resolvi, então, pintar a base primeiro com diversos tons de tinta para só depois colar os fragmentos da imagem. Ao misturar as tintas fui percebendo as novas tonalidades que iam surgindo e compondo um desenho abstrato. Ao terminá-lo, vi que não necessitaria mais de imagens, pois o trabalho realizado já representava o que eu gostaria que fosse.
Os tons escuros me fizeram lembrar os locais onde os escravos eram castigados, perdendo sangue e na maioria das vezes a própria vida. Os tons verdes, azuis e amarelos me fizeram lembrar do nosso nordeste brasileiro, onde a cada inverno o nordestino renova as suas esperanças com o verde das plantações à espera de melhoria de vida. Trabalham, trabalham e a melhoria nunca chega.